Sou aquele tipo de pessoa que é assombrada pelos pensamentos. E também pelas minhas recordações. Nada animador, não é mesmo, para você que começa a ler este conto? O que vou encontrar em um texto de um garoto problemático? Você deve estar se perguntando.
Bem, é simples, encontrarás aqui um desabafo, injusto, talvez, já que se trata apenas do meu ponto de vista sobre os fatos ocorridos em minha vida. Os julgamentos que aqui farei são de caráter pessoal e eu farei baseado nos meus princípios.
Hoje, 06 de agosto de 2018, eu tenho 28 anos. Moro na cidade de Sousa, alto sertão paraibano. Mas não é aqui nem agora que essa história começa. Até chegar a esse momento em que me encontro sentado em meu quarto, tomando uma xícara de café amargo e escrevendo sobre nada extraordinário, muitas coisas se passaram.
E só decidi escrever para vocês essa história porque a escrita é o único remédio para as minhas assombrações. Quando minhas lembranças me assombram, meus dedos ficam inquietos, são meus fantasmas querendo se libertarem por meio das palavras e eu geralmente liberto todos os que eu posso.
Prepare-se, caro leitor, para conhecer uma vila isolada no meio de uma floresta, no interior do Maranhão. O ano era de 2003, e eu tinha apenas 13 anos. Antes disso, creio que não vale a pena escrever, pois nenhum fantasma de antes de meus 13 anos voltou para me assombrar.
No entanto, parece que todos esperavam o meu décimo terceiro aniversário para aparecer, pois foi quando todos vieram me visitar. Não tinha o que fazer para livrar-me deles, a única alternativa foi enfrentá-los. Não posso dizer que os venci, uma vez que eles estão aqui o tempo todo em minha cabeça.
Mas deixemos de papo fiado e vamos aos fatos. Eu sempre tive por minha mãe uma enorme admiração. O jeito duro dela de lidar com os problemas da vida me inspirava, eu sempre quis ser como ela: forte e sem nenhum medo. Por vezes as pessoas a elogiavam e em inúmeras vezes a criticavam, o fato é que eu não ligava nem para os elogios e muito menos para as críticas, meu olhar estava voltado simplesmente para a forma como ela lidava com tudo. Ela parecia inatingível.
Lembro-me de muitas situações protagonizadas por ela durante minha adolescência. E para todos os problemas ela tinha uma solução. Meu pai estava devendo umas diárias e estava doente, mas o homem não queria saber da situação dele, queria apenas que o serviço fosse feito. O serviço consistia em limpar o mato de uma roça de arroz, serviço considerado desgastante, por isso só podia ser feito por homem. Mas minha mãe não quis saber disso, pegou o cutelo e foi pagar as diárias, ninguém acreditou ao vê-la indo para a roça com vários homens e apenas ela de mulher, porém ela foi e deu conta do serviço.
No entanto, esse jeito determinado e duro tinha suas consequências para nós, seus filhos, éramos seis filhos todos criados dentro de suas regras e repreendidos duramente quando nos desviarmos delas. As punições de minha mãe incluíam castigos, que consistiam em não sair de casa e em fazer as tarefas domiciliares e também agressões físicas, ela nos batia com muita facilidade e até mesmo por motivos banais. Às vezes eu a odiava por isso. Nunca gostei de apanhar. O ódio era momentâneo, apesar de durona, minha mãe tinha seu carisma e se preocupava com seus filhos muito mais que com sua vida e isso era visível em tudo o que ela fazia. Até na sua respiração.
Desde criança eu busquei imitar esse seu jeito duro e bruto e consegui tão bem absorver isso que aos 13 anos eu já a enfrentava e foi nessa época que proibi tanto minha mãe quanto meu pai de consumirem bebidas alcoólicas dentro de casa. Esse meu atrevimento me rendeu inúmeras “pisas”, mas minha mãe percebeu que me bater não ia me impedir de continuar derramando todas as bebidas alcoólicas que eles traziam para dentro de casa. O único meio de me vencer era me matando, e ela jamais seria capaz de fazer isso. Quando ela percebeu que me bater não estava mais dando certo, começou a esconder a bebida próximo de casa e quando queria beber saia e ia lá onde estava o litro, bebia e voltava.
Infelizmente, eu já tinha decidido que não queria mais bebedeira na nossa casa. E sempre que eu percebia uma mudança no comportamento dela ou de meu pai, pois eles sempre mudavam quando bebiam, eu os seguia escondido e quando achava o esconderijo da bebida, esperava eles se afastarem e depois ia lá e derramava a bebida deles. Eles ignoravam isso, tenho certeza que eles sabiam que era eu quem derramava suas bebidas, mas no fundo eles sabiam que eu estava certo e querendo o bem deles.
Não posso jamais deixar de falar que minha mãe sempre foi uma mulher muito trabalhadora, nunca a vi reclamar de nada. Estava sempre muito disposta e sempre achava uma solução para tudo. Lembro-me quando alguém nos apelidava na rua, ela nos defendia. Se alguém nos batesse na rua ou na escola, ela nos defendia. Para ela nada era mais importante que seus filhos. E isso era outra coisa nela que me encantava. Aquela mulher era minha heroína, minha fonte de inspiração, e modelo de ser humano.
Meu pai, ao contrário, despertava em mim o sentimento de desgosto. Eu não me orgulhava em tê-lo como pai. Ele bebia muito todo tipo de bebida alcoólica e sempre que estava bêbado abusava a todos: o povo da rua, minha mãe, os filhos e quem mais aparecessem. Por diversas vezes acompanhei minha mãe aos bares para buscá-lo e ele sempre a esculhambava, xingava ela de todos os nomes horríveis que ele conhecia. As pessoas já conheciam minha mãe e a admirava muito, e por respeito a ela avisava que meu pai estava bêbado e abusando nos bares e minha mãe ia buscá-lo.
Além de tudo isso, meu pai era muito preguiçoso e ruim para os filhos. Não dedicava a nós nem o amor e nem a repressão que nossa mãe dedicava. Eu não gostava do meu pai, talvez porque ele era o contrário de tudo aquilo que eu admirava. Eu admirava gente forte e corajosa, ele era frouxo. Eu admirava gente trabalhadora, ele era preguiçoso e muito lerdo. Gente lerda sempre me estressou desde quando eu ainda era uma criança.
Outra coisa que me estressava em meu pai era vê-lo gastando com bebidas o dinheiro de nossa alimentação. Ele não se preocupava com a gente como nossa mãe se preocupava. Não sentia nenhum amor vindo da parte dele, para mim ele era indiferente. E mais todas as ofensas que ele me dirigia quando estava bêbedo ficavam guardadas em minha cabeça. Ele dizia que nós não íamos prestar que não valíamos nada, que tínhamos puxados para nosso avô materno. Quando o efeito do álcool passava ele fingia que não se lembrava, mas eu guardava tudo, eu guardo tudo até hoje.
Vivi então dessa forma, por um lado admirando minha mãe e tentando absorver dela o seu jeito de ver a vida e de resolver seus problemas. Por outro lado cresci repudiando a maneira de meu pai viver, seu comportamento repulsivo de bêbado e sua maneira lerda, preguiçosa e irresponsável de levar a vida. Essa minha maneira de ver meus pais mudou em 13 de abril de 2003, quando os dois me mostraram que eu não sabia nada da vida.
Minha mãe fugiu com seu amante e nos deixou com nosso pai. Ele apesar de decepcionado por ter perdido a mulher para outro, nunca nos abandonou, sempre esteve ao nosso lado. Tempos depois meu irmão cometeu suicídio, vivia dizendo que não suportava a vida que levávamos. Nunca se conformou de ter a família destroçada, e ao acabar com sua vida deixou em nossas vidas um vazio enorme.
Sofrimento, lutas e incertezas continuaram a aparecer em nossas vidas e nosso pai, àquele a quem tanto critiquei, não saiu de nosso lado. Pegou sua dor colocou não sei onde e dedicou todo os seus momentos a nos ajudar. Exceto os momentos em que afogava suas mágoas nas bebidas. Muitos vazios foram ficando em nossas vidas, menos o vazio da ausência de um pai. Ele sempre esteve presente e isso foi surpreendente. Ela por outro lado, sempre esteve ausente e sua presença a muito tempo deixou de fazer falta.
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