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O VENEZUELANO


Eu achava que pelo menos as pessoa de Boa Vista conheciam Caripito. Algumas conheciam, mas para quem não conhecia nem adiantava eu dizer que ficava em Monagas. Para eles, Venezuela era como um estado só. Sabiam que tinha cidade, mas ignoravam as regiões, os estados. Também, o que queria eu informar para as pessoas que meu país era dividido em 23 estados, e que Caripito ficava em um deles, chamado Monagas. Dizer que eu era da Venezuela já era suficiente para eles. 

Eu estava indo morar com meu pai, em Belo Horizonte, onde ele trabalhava de jef de cocina haces unos dos años. As veces me perdia entre os idiomas, e acabava falando algo que nem era espanhol e nem português, uma mistura, que mais tarde fiquei sabendo, era chamado portunhol. Pero essa minha confusão, não se dava por falta de conhecimento, mas porque não estava habituado falar somente em português. Eu conhecia o idioma brasileiro, estudei por dois anos antes de vim para o Brasil. 

Quando meu pai nos deixou na Venezuela, eu tinha apenas 16 anos e ele prometeu que mandaria me buscar quando eu completasse 18 anos. E ele cumpriu com sua promessa. Durante os dos años que ele trabajó en Brasil mandava todo mês dinheiro para gente, não era muito. Não no nosso país, pois as coisas estavam muito caras. Percebi depois de chegar no Brasil que se podia comprar bem mais coisas com bem menos dinheiro. 

Cheguei na imigração em Boa Vista já com destino certo, diferente de milhares de outros que vieram comigo apenas fugindo, não eram todos de Caripito. Eles vinham de muitas partes da Venezuela e ficavam jogados em Boa Vista. Pero distinto de Venezuela, o gobierno de Brasil começou a dar assistência aos imigrantes, assim nos chamavam, e os mandaram para outros lugares no Brasil. Eu como já tinha destino certo não entrei nesse programa. Assim que fui liberado pela imigração, fui ao aeroporto e embarquei no avião.

Meu pai havia comprado para mim uma passagem de avião. Foi a primeira vez que voei e me senti livre, poderoso e muito metido, por estar voando no céu do Brasil. Apesar de ter gostado do voo, eu gostaria de ter ido de ônibus para conhecer mais lugares. Pero eu precisava chegar logo para trabalhar, meu pai me havia arrumado um emprego de ajudante de cozinha no mesmo restaurante em que trabalhava. Era meu primeiro emprego.

Ao desembarcar em Belo Horizonte, fiquei encantado com a cidade e queria que toda minha família estivesse ali. Liguei para minha mãe ainda no aeroporto falando das belezas do Brasil e de como eu estava feliz. Só deixei minha mãe ansiosa, pois ela seria a próxima a sair de Venezuela, só era preciso que alguém comprasse nossa casa. Mas ninguém queria, a cidade não tinha emprego e sempre que chovia, nossa casa enchia de água. Quem iria se interessar?

Fomos de táxi do aeroporto para onde meu pai morava. De fato, a cidade era linda. Mas a medida em que o táxi avançava a cidade ia se entristecendo, no lugar dos grandes aranhas céus surgiam casebres e pequenos comércios, até que paramos em uma rua cheia desses comércios e meu pai entrou em uma porta que dava acesso para um primeiro andar em cima de uma pequena sorveteria. Dois pequenos cômodos, num uma tevê e um coxão de solteiro no chão, do lado uma pia pequena. Entramos numa porta que deu acesso ao que deveria ser um quarto, o segundo cômodo, que mal cabia uma cama de solteiro e uma cômoda.

Meu pai já havia desocupado o quarto para mim e agora iria descansar de seus longos dias de trabalho naquele coxão em frente a tevê. Senti uma angústia enorme ao ver aquela situação, e meu pai percebendo em meu rosto a decepção, dijo:

- A cá tenemos trabajo, hijo – e colocando minhas coisas sobre a cama, despediu-se, pois precisava voltar ao trabalho. 

- Hasta pronto, hijo! – falou com a satisfação de se ver entendido em seu próprio idioma. 

- Hasta pronto, papa! – lhe respondi.

Eu estava muito cansado. Já eram quase 10 horas da noite. Liguei a tevê e fiquei a ver os programas brasileiros para me familiarizar ainda mais com o idioma. Meu pai retornou meia noite e meia trazendo uma comida para mim. Comi como se estivesse a um ano sem comer. E depois capotei. No dia seguinte meu pai me mostraria a cidade e o meu local de trabalho. 

Acordei antes das 7 horas, mas não acordei meu pai. Fui para frente da quitinete ver as pessoas passarem. Eu estava descobrindo um novo mundo, não tão diferente assim do meu. Mas era outro país e isso era suficiente para me deixar feliz. Não sei quanto tempo fiquei ali vendo as pessoas irem e virem, só me dei conta do tempo quanto meu pai gritou pelo meu nome. Ele fez qualquer coisa para gente comer e fomos para o restaurante. 

Era um enorme restaurante “Tempero Nordestino” era o nome. Meu pai me explicou que se tratava de uma culinária de uma região do Brasil apreciada em todos os estados. Mostrou-me a cozinha, e disse que eu não me preocupasse, pois ele estaria lá do meu lado. Mas eu queria falar com brasileiros, mostrar que eu sabia falar português, perguntar como fazia para me divertir. Eu tinha 18 anos e queria viver. 

Poucas vezes sair desse bairro, o dinheiro que ganhamos temos que mandar quase todo para Venezuela, o Brasil para mim, limitou-se a uma pequena parte da capital de Minas Gerais. Não namoro, poucas vezes transei. E passei os meus dias na cozinha do “Tempero Nordestino” e no meu quarto. E a única diversão que meu dinheiro deu para bancar foi a internet, por isso, que o sexo que tenho feito ultimamente, foi lá, online, pela internet. Vivo em função da Venezuela e não importa se eu esteja lá ou no Brasil. 

Os bailes de funk, o carnaval, os grandes shows de cantantes brasileños que muitas veces em meu quarto diria que ia, ficou apenas em meu sonho. No dia a dia da minha rotina fui descobrindo que não tinha vindo para o Brasil viver, mas apenas sobreviver. A ilusão que eu trouxe na bagagem chamando de sonho foi se esvaindo e eu aceitando que era apenas o estrangeiro, o empregado estrangeiro.

Os americanos e europeus que frequentavam o restaurante, eram gringos. Uma vez uma colega de trabalho me explicou que gringo era todas as pessoas que vinham de outros países, mas eu estranhava. Eram gringos para os brasileiros daquele restaurante apenas os que gastavam dinheiro, os que consumiam, nós éramos apenas a mão de obra. Senti-me fora do meu mundo. E fui aprendendo a duras perdas o que era ser um trabalhador assalariado no Brasil. 

Não me orgulho de ter deixado meu país, nem sou feliz aqui. Se fico em Minas Gerais é porque minha família precisa de mim. Pero voy a regressar a Venezuela tan pronto se mejoras las cosas. Em meu país pelo menos eu tinha história, tinha do que me orgulhar. Aqui as pessoas me olham como se eu estivesse roubando o emprego de algum brasileiro preguiçoso que não se interessou pela vaga que eu ocupo. Gracías, Brazil, pero soy venezolano. E deve ser por isso que sou estrangeiro aqui e nunca gringo. 

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