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DEZ ANOS ENTRE MIM


Acordei cedo, não sei porque, já que é domingo e eu poderia dormir até mais tarde. Mas não sou eu quem decide isso, pelo visto. Estou ligada no automático, de tanto acordar às 5h40min da manhã para ir ao trabalho, meu corpo ficou programado. Pelo menos eu arrumo a casa, eu penso e me dirijo ao quarto de hospedes, lugar onde conservo uma prateleira com alguns livros, e o sonho de uma biblioteca. Decido começar por a arrumação pelo quarto/biblioteca. 

Sento-me próximo a prateleira e começo tirar a poeira de alguns livros e cadernos antigos, pouco usados. Lembro-me de repente que não tomei café da manhã. Mas são só 5h40min da manhã, eu penso. E volto a esfolhear os livros. É sempre aquela prateleira o lugar onde mais demoro na arrumação. 

E logo descubro porque demoro tanto ali. Ao invés de apenas limpar os livros, eu os esfolheio e leio todos os cadernos, principalmente os mais antigos. É como voltar no passado e conversar comigo mesma, e sempre falo para a outra eu: - Nossa! Como você é boba, ainda vai aprender tanto até chegar em 2020. 

Sim, nesse momento dez anos me separam da eu do passado com quem começo a conversar, agora quase 6h30min da manhã. O caderno que leio data de 2010, tempo em que eu tinha 17 anos. Tempo, começo a descobrir ao ler as primeiras páginas, em que eu estava vivendo um grande amor. Que contraste esses dez anos criou entre a eu de 2010 e a eu de 2020. Aquela jovem escreveu coisas tão lindas sobre o amor sem nem se dar conta de que dez anos depois estaria enfrentando uma dolorosa separação. Uma lágrima escorre pelo meu rosto e percebo que é hora de escovar os dentes. 

No banheiro, diante do espelho, tento perceber em mim algum otimismo daquela menina de 2010 sobre o amor. Nada, não sobrou nada dela, apenas aquele caderno com anotações de suas ideias e concepções, que para mim pareciam absurdas. Eu vivi o que pensei ser o amor e o saldo disso foi a dor, a solidão e a percepção de que eu não sabia nada de amor, eu não sabia nada da vida. 

E a culpa do meu sofrimento de hoje só pode ser dela, daquela desmiolada de 17 anos. Aquela moça que viveu em 2010 e escreveu sobre o que ela não conhecia. Amor é uma flecha que atravessa nosso peito, não uma rosa que perfuma nossos dias. Menina tola! 

A raiva em mim crescia, mas ao mesmo tempo sentia curiosidade em conhecer mais a eu do passado. Volto ao quarto, e continuo a leitura do caderno. Uma folha completa com “EU TE AMO”. Lembro-me do exato momento em que escrevi aquilo. Queria gritar para o mundo que estava amando. 

“Não sei o que faço sem ele” estava escrito em outra folha. Não sabia, eu penso. Hoje sei: acordar na madrugada de domingo para arrumar a casa. Ri. De alguma forma parece engraçado eu responder a mim mesma. Continuo lendo: “Mandei perguntar por um amigo se poderia ir para festa, amanhã saberei a resposta”. Foi aqui, eu pensei. Aqui eu comecei a deixar de ser eu mesma e passei a ser alguma coisa dele. 

Como eu pude deixar ele me controlar tanto? Ele dizia o que eu podia ou não fazer, e a culpa foi minha, só minha. Agora eu sei. Ou melhor, a culpa foi dela, eu não sou culpada, tanto que eu o deixei. Como eu pude ser tão permissiva e submissa? Pergunto-me a cada página que eu lia daquele caderno. 

“Mas ele foi à festa para mim ver e aquela noite foi mágica. Passamos toda a noite de sábado juntinhos. Voltamos da festa abraçados no carro. E no domingo fomos tomar banho de açude e fiquei maravilhada ao vê-lo de cueca. Ele era lindo.” Não tive como segurar a lágrima ao ler isso. Em minha mente, transporto-me para o exato momento em que isso aconteceu e lá encontro outro homem como eu, apaixonado. Ele não tinha nada desse homem que me deixou. 

Levanto-me e corro até ao guarda-roupa, abro a gaveta e procuro por um álbum de fotografias, pois eu havia fotografado tudo naquele dia. Ele estava mesmo lindo de cueca, seu sorriso radiava na foto. O almoço parecia gostoso e ele parecia ridículo segurando a coxa da galinha com a mão. E ficou surpreso quando soube que fui eu quem matou e preparou a galinha. “Está uma dona de casa” lembro-me que ele disse isso. Um álbum de fotos só dele. Por que eu guardava aquilo? Para me lembrar de mim mesma, eu pensei. 

Hoje não me reconheço, mas ler aqueles diários e ver aquelas fotografias me faz perceber que eu preciso amadurecer. Porém, também preciso sonhar. Ele pode não está mais comigo, mas a eu do passado não pode me deixar, ela é a única que realmente me entende.

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