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PERDIDO NUM OLHAR PERDIDO, por Daniele Pereira e Nilson Rutizat


A primeira vez que eu a vi, ela estava presa num olhar. Foi para mim uma surpresa muito grande ver aquela moça em meio a uma roda de conversa parecer que nada à sua volta importava, salvo o mundo refletido em seus olhos. Encanto, foi o que senti assim que a vi, mas ao fita-la por um momento, percebi que na verdade ela estava precisando de ajuda. Aquela menina estava viajando por mundos que ela mesma não conhecia, e ela, inocente, não sabia que as leis do mundo real não se aplicavam àqueles mundos. O que fazer então para salvá-la? 

Propus-me a observá-la... e entender a conexão entre seus mundos tornou-se meu doce vício, qual seria a sua linha tênue? Ela era uma incógnita. Uma conta matemática que precisava de muita atenção e dedicação para chegar a uma possível resolução. Eu a espreitava de tal forma que comecei a entender o seu ar de mistério e os motivos que a faziam evadir-se e viver o doce escapismo que a fuga constante lhe representava. E aos poucos... nossas mentes se conectaram. 

E na tentativa de entender seus mundos, acabei me envolvendo e viajando naqueles terrenos desconhecidos. Nos mundos dela que agora eram nossos. E eu a vi mergulhada nas suas lembranças e possibilidades. Para uma mesma situação no mundo real, ela criava incontáveis desfechos. E cada possibilidade me deixava mais envolvido, quis explorar todas elas. Viajei. Experimentei. E não soube como voltar. Agora, estou mais perdido que ela. Uma pena ela não saber que me perdi tentando ajudá-la a se encontrar. 

Eu não sei como isso aconteceu. Fui eu quem tentou avisá-la que viajar por meio do olhar era perigoso. A imaginação e as possibilidades são traiçoeiras, pois existem mundos em nossas mentes que nunca devemos conhecer. Há mundos que têm tantos mistérios que o subconsciente se encarrega de escondê-lo da gente. O que vi nela foi a teimosia em tentar desenterrar esses mistérios. De longe percebi o risco que ela corria, e mergulhei profundo naquelas águas sem saber que lá no fundo não tinha oxigênio, não tinha razão. Apenas uma confusão de mundos sobrepostos e mergulhei cada vez mais fundo. E me perdi. 

Minha maior angústia não é eu ter me afogado no subconsciente. Ter me perdido no caminho sem volta. A dor que mais me afoga e que é a minha tortura nesse mundo, nesses mundos, é saber que ela também está perdida. E que seu olhar tão distante ainda atrairá muitos outros homens, que querendo salvá-la se perderão como eu. O olhar dela é um caminho sem volta. Como eu sei isso? Fui pelo seu olhar, mergulhei em seus mundos. E estou perdido na indecisão das possibilidades de sua vida.

Comentários

  1. Encontrei o seu Blog por acaso. Estou desenvolvendo um ensaio sobre a mudança de comportamento do narrador quando o mesmo se apaixona, mostrando várias nuances sobre o que sofre o texto. Meu estudo está sendo realizado especificamente sobre contos de escritores publicados de 2018 a 2019, pois quero remeter a ideia do atual. Tenho interesse de analisar o texto: Perdido num olhar perdido, salvo se os escritores concordarem é claro. A primeira leitura me deixou sem fôlego. O fato de serem dois escritores, não sei qual foi a logística utilizada, mas o que define a escrita é CONEXÃO. Algo me deixou bastante intrigada, o narrador percebeu que a personagem estava viajando perdida, mas ao invés de trazê-la a realidade viajou junto com ela, nessa viagem é notável no texto que ele se apaixona perdidamente por ela e ainda apresenta ciumes, pois mesmo perdido ainda vê que o olhar misterioso da personagem atrairá outros homens. De certo modo o narrador a culpa por não perceber que ele se apaixonou tentando salva-la e se prende, não por que foi obrigado, mas pelo fato de querer estar perto da personagem. Um termo que quero relatar também no ensaio é o doce escapismo, por que a personagem indecifrável e tão intensa vive o "doce escapismo" ? O que a faz querer viajar e se perder? ou melhor o que faz dela uma personagem tão envolvente? Fico no aguardo... Enquanto isso irei analisar o texto sobre outra perspectiva. Desde já obrigada por publicar essa pérola.

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