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Ei, menino, sabia que eu também já fui menino? Não tão popular assim como você, também não era bonitinho. Sim, eu fui menino. Mas um daqueles gordinhos, cabeçudos, desengonçados que não sabia jogar bola, nem dançar, nem cantar muito menos sabia me enturmar com os meninos comuns. Eu não era como todos, disso eu sabia. E acabava que depois da aula, todos os dias, eu não ia brincar como os outros meninos faziam. No quarto eu me trancava e ia ler histórias. Ali eu me sentia bem, pois podia viver todas as aventuras sem que alguém me apelidasse, sem que alguém gritasse que eu era feio e estranho.
Mas, menino, eu queria mesmo era estar na rua brincando, sendo criança, assim como você está fazendo. Não era que eu não gostasse de ler, eu adorava. Mas é que me faltava viver de verdade a minha infância. Desculpa, menino, está falando essas coisas para você. Dentre todos os meninos que já conheci na vida, você foi o único que não me humilhou e que me deu ouvidos. Se eu for chato, fale-me. Eu não estou acostumado com gentileza.
E seu eu exagerar no papo e conversar demais, também me avisa. Eu tenho uma vida toda de conversa que nunca tive com os amigos que nunca fiz. Nem sei o que se conversa com um menino. Vou, então, falar de mim. Sabe, essa palavra bullying que tanto se fala na escola? Eu acho que era isso o que eu sofria todos os dias, não só na escola, mas na rua, na praça, aonde quer que eu fosse. Eu não sei porque eles me odiavam tanto. Eu não sei se devo te contar isso, mas eu era muito infeliz.
Os livros e a comida eram as únicas coisas que pareciam fazer sentido na minha vida. E cada vez mais eu lia e comia. E experimentava momentos de felicidades. Eu era muito solitário, menino, tanto que as vezes saia na rua de propósito apenas para ser xingado. Os xingamentos me doíam, mas ainda era melhor que o vazio que consumia minha alma quando eu me isolava em meu quarto. Não vou mentir, eu conseguia até ter um certo carinho por alguns meninos, aqueles que me xingavam menos.
O que é isso em teu rosto, menino? Uma lágrima? Não chores. Eu não estou acostumado ver manifestação de carinho por mim. Como você é diferente dos demais meninos que eu conheci. Se choras tanto não vou mais te falar da minha desgraça, não quero que minhas vivências te façam sofrer assim como fizeram a mim. Vá para sua casa, menino. Não tenha medo, o mundo é todo seu. Não vou te dizer o que deve fazer, pois eu não sei. Só não seja como aqueles meninos que provocaram a minha morte. Vá. E obrigado por sua visita ao meu túmulo. Uma pena que você, menino, não pode me ouvir. Essa solidão da morte é cruel!
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