Coloquei meu melhor vestido. Passei o perfume mais forte que encontrei no armário e calcei a sandália mais alta que eu tinha. Eu estava decida a chamar a atenção de todos. Naquela noite eu seria notada. Fui para o bar mais badalado da cidade, sentei em uma mesa na porta de entrada para que todos que entrassem e saíssem do bar me vissem. Queria ser notada. Eu precisava ser vista. A noite toda recebi olhares dos mais diferentes possíveis, alguns me paqueravam, outros se apiedavam de mim por eu está sentada sozinha em uma mesa de bar. Mas não importava como fosse os olhares, eu apenas queria ser vista.
Não era querer muito. Aliás, eu sempre fui uma mulher de me conformar com pouco. Durante os 20 anos de casada, casei-me quando ainda era uma adolescente, aos 15 anos, eu me acostumara a viver com pouco, com migalhas. Mas agora que estava sozinha e eu não iria me conformar com pouco. Não era um ou dois, eram todos os olhares que eu queria. Quem se atrevia a passar sem me olhar era surpreendido com um barulho de copo na mesa, ou um grito de "acaba não mundo de Deus!". Naquela noite eu experimentei tudo o que me foi negado nos últimos 20 anos. Eu fui vista.
Meu marido nunca me levava para sair. Era os amigos dele os seus companheiros de festa. Enquanto isso eu mofava nos vãos solitário daquele maldito apartamento. E me orgulhava em ser sua esposa e ter um lá e uma família. Que família? Nem filhos eu tive. Era meu marido e eu, melhor, era apenas eu. Até na cama era apenas eu. Ele nunca se preocupou com meu prazer, sempre fui seu depósito de espermas, péssimos espermas, já que nunca tivemos filhos. Se um dia eu gozei foi graças a mim mesma, até isso fiz sozinha.
Fui escrava de uma vida traçada socialmente para mim. Fui prisioneira das convenções, malditas convenções, dessa sociedade. Mas naquela noite tudo mudaria, eu iria transar muito, gozaria muito e depois de satisfeita eu me vestiria e iria me embora sem nem querer saber do prazer de ninguém. Meu marido estava morto, meu carrasco sucumbiu. Aquela noite era minha, eu e os olhares. Quais daqueles olhares me laçaria e me levaria para cama, comecei a pensar. Mas não tive tempo de escolher. Apaguei. O mundo inteiro se distanciou da minha vista e de repente me vi no meio de uma escuridão terrível e não me lembro mais de nada.
Acordei no outro dia, em casa, naquele maldito apartamento solitário. E do meu lado apenas a solidão. Como cheguei ali? Eu não sei. Nem me lembro o que fiz ou disse, mas não importava, ele estava morto. E a liberdade era minha veste. Minha pena havia se vencido e eu estava livre. Tomei um banho, coloquei o short mais curto, o batom mais vermelho e a blusa mais sensual que eu tinha e sai para rua. Todos haviam me olhado, eu não era invisível. Eu existia, e foi muito bom voltar a existir.
por Nilson Rutizat
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